Memento mori

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AVISO: EVITE LER SE ESTIVER INSTÁVEL EMOCIONALMENTE E/OU SE A MORTE FOR UM TEMA DESCONFORTÁVEL.



Death, por Poudot


        Penso muito na morte. O descanso absoluto, o livramento contra todo mal. Já estivemos muito perto uma da outra e ela até me olhou nos olhos, mas nos despedimos sem dizer palavra. Quando eu ainda era uma criança, ela se sentou ao meu lado na cama, tocou meu rosto e me fez dormir, mas não me levou consigo.
      Penso muito na morte, até com certo encanto. Morrer é a volta ao topo predecessor ao mergulho, o retorno ao estado de não-existência. Você se lembra de como era não existir? A salvo da maldade e da vulnerabilidade; não padecer, não sentir, não ser, não estar. Imunidade à humanidade, é como reconheço a morte. A cura universal, a libertação.
        Decerto que ninguém quer ser assassinado, torturado ou vítima de uma doença agonizante e letal, mas a morte chega de inúmeras outras maneiras e é algo inevitável, indefectível. Ela chegará para você e para mim, bem como para qualquer outro organismo vivo. Eu prefiro encarar a morte como algo natural — o que ela, de fato, é. Morrer é apenas consequência de estar viva; uma fase; a última etapa do ciclo da vida; o epílogo de nossa história. Tudo é finito e isso é a melhor e pior coisa do processo humano de existir.
        Diferentemente dos outros animais, somos dotados de uma capacidade chamada consciência, o que nos torna predadores prepotentes, egoístas e covardes; ou presas empáticas, altruístas e simplórias. E, naturalmente, a consciência também nos torna incapazes de compreender o conceito de fim e eternidade. Para a mesquinha e jactanciosa mente humana, o fim é algo inconcebível, principalmente o fim de si mesma. Bem como a ideia de que algo possa sempre ter existido, sem jamais ter tido um começo, excede nossa racionalidade. Recorre-se a toda sorte de cultos e credos a fim de suplantar a ideia de que nós também morremos. Findamos. Acabamos de vez.
      A morte é um acontecimento necessário e do qual nenhum de nós escapará, não importa o quão superiores achemos que somos em detrimento de outras espécies animais. Todos nós retornaremos à não-existência, e eu mantenho isto em mente. Lembre-se de que um dia você morrerá.







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Âmago

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Wild flower por Aleksej Polyvyanyj



Às vezes, onde selvagem vento sopra,
há mais calmaria que tempestade.
Onde não há batimentos,
é que o sentimento pulsa de verdade.
Onde um sorriso acorda,
é que a dor aflora.

Por vezes, quando se cala
é quando mais se tem a falar.
Quando se chora,
é que o sorriso mais deseja brotar.
Às vezes, quando se vê,
é quando menos se quer enxergar.

Em alguns momentos,
quando dizem ser impossível,
é quando mais se quer alcançar.
Quando alguém se perde,
nem sempre quer se encontrar.

Quando a estrutura desaba,
nem sempre há forças para reconstruir.
Mas quando o mundo parece estar se desfazendo
é que se começa a perceber
que mesmo dentre pedras
mudas podem florescer.






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Carpete

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      Naquela noite, o cansaço me vencera. Joguei as chaves sobre a mesa e depois me joguei ao sofá, sem a menor cerimônia. A costura do estofado incomodava um pouco... pinicava, mas quem quer saber disso quando se está em cacos? Eu precisava comprar um sofá mais confortável... O que eu disse? Eu, hein... há uma cama no andar de cima, sou mesmo um idiota...

       Silêncio.

      Ah, mas ainda tinha a mulher, aquela mulher que quase nunca me deixava dormir. Com ela não havia diálogo, ela não respeitava minha dor, minha tensão e, muito menos, meu cansaço.
Paciência.

      Oh, não... Lá vinha ela novamente, faceira, saltitante com aquele risinho vingativo que me tirava o pouco fôlego que me restava no peito. Lá vinha ela... na minha direção. Diabos! Desvie, desvie, desv... Até que chegou perto demais. Senti seu hálito em meu pescoço, pensei que me beijaria, mas apenas subiu os lábios e sussurrou algo em meu ouvido... Não me lembro de ter compreendido o que era, mas me lembro de ter-me arrepiado os pelos das costas como um gato. Deitara-se no chão, próxima a mim e começara a falar sobre trivialidades... trivialidades, ao meu ver. Falara demais; não um tagarelar irritante, mas à sua maneira de falar demais. Sua voz me era música aos ouvidos. Também não me lembro de nada do que dissera... mas, entenda, a forma como ela falava daquelas coisas, me arrepiavam ainda mais que seu hálito em meus ouvidos. O que era? Deixe-me tentar explica-lo... Era... a maneira como o ar lhe saía dos pulmões enquanto pronunciava suas palavras, a forma matreiramente preguiçosa com que sua voz lhe saía da boca, formando pausas que faziam-me concentrar-me em seu perfume... Era quase como se ela pausasse para exalar seu perfume. O perfume? Ah, aquele perfume... somente ela o possuía. Não era algo comprado por aí, não acredito que fosse. Era algo que provinha dela e só poderia provir dela. Um cheiro de chuva com frutas recém-colhidas e um torturante adocicado que me lembrava vinho. Era uma mistura de seus cabelos, pele e boca que exalavam aquele aroma absurdo. Era quase uma panaceia; curara meu cansaço. Então, esperei que aquela raposa recomeçasse a falar, decidi que não me conteria mais. Afaguei seus cachos dourados enquanto ela falava sem ao menos dar-se conta. E então, atirei-me ao seu encontro e ataquei com meu beijo mais lascivo, segurei sua cintura e...

      Merda! Acordei jogado de bruços no chão, beijando o carpete novamente, com a boca cheia de fios de camurça e pelos de gato. Eu deveria ter ido para a cama.






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