Estilhaços de domingo

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    Amanhã é segunda-feira e você já tem de ir trabalhar de novo. É tão engraçado, não acha? Parece que ontem mesmo era sexta-feira. Em momentos como este é que vemos o quão certas coisas são mecânicas e céleres. Aliás, é uma das grandes consequências que crescer acaba nos trazendo: mecanismos que têm de ser cumpridos independentemente da nossa real vontade, ou podemos pagar caro no fim das contas — ou, simplesmente, podemos pagar caro as contas. São ócios do ofício, dizemos. Ofício, que para nós, antigamente, era apenas aquele papel em branco que a “tia” do maternal distribuía durante as aulas — depois de termos feito belas esculturas com massinha, claro —, onde você desenhava seu pai e sua mãe, ambos com as cabeças disformes e perninhas de palito; sem se esquecer daquele sol bem amarelo que você sempre desenhava no canto da folha. É engraçado como a gente não se esquece desses detalhes; nunca mais. Às vezes estou distraída em algum lugar, quando passa por mim alguém com um perfume que funciona como uma máquina do tempo. Aquele cheirinho bom... De onde será que eu conheço? Ah, claro! É o mesmo perfume do sabonete que tinha na escola, no Jardim de Infância... Aquele sabonete que a gente adorava passar o máximo de tempo possível esfregando nas mãos, só pra vê-las branquinhas de tanta espuma. Eu me lembro do sabonete da escola. Às vezes você deve ver algumas crianças indo à escola, hoje desacompanhadas, e lembrar-se exatamente do jeito seguro que seu velho segurava a sua mão quando te levava às aulas. Deve lembrar-se de como ele falava pouco, ou de como fugia dos inúmeros “porquês” que você perguntava o tempo todo... Ou talvez deve lembrar-se de como ele adorava responder suas perguntas, conversar contigo e fazê-la rir. Você olha para ele hoje, sempre tão preocupada com aquela saúde frágil que ele tem agora, com aqueles olhos enrrugadinhos e aquelas pequenas bolsinhas aparecendo logo abaixo deles, e se pergunta o quanto ele consegue enxergar agora. Isso porque você não se esquece de como você perguntava o que está escrito ali?, quando ainda não sabia ler, e ele lia em voz alta para você, sem pestanejar. Trivialidades, eu sei. Mas são trivialidades que carregamos conosco eternamente, o tempo todo, mesmo que apenas no subconsciente; ali, bem escondidinhas, dispostas a serem tão cortantes como estilhaços nos momentos de saudade. Nos momentos em que essa bendita vadia chamada Saudade te pega de jeito, naquele domingo tão comum, em momentos tão banais e tranquilos ou até entediantes, quando sua mente está vazia, e aí, então... Ela entra sem sequer perguntar se deve.









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· 15/09/2012 ·